13 de janeiro de 2009

VILA DO CONDE, NO SECULO XIV, ERA UMA VILA PRÓSPERA ...

O clima temperado húmido, que caracteriza todo o litoral oeste português, assim como a proximidade do oceano Atlântico e do Rio Ave, desde cedo dotaram Vila do Conde de condições extraordinárias ao seu desenvolvimento económico.O primeiro documento conhecido, relativo a Vila do Conde, datado do ano de 953, revela-nos a existência de “...salinas, pesqueiros, vários marcos um deles situado no alto da vila onde se chegava pelo “caminho mourisco”.......". Constatamos, assim, o pleno aproveitamento dos recursos naturais que esta terra proporcionava, às suas gentes. Por outro lado, segundo Reis, a existência de salinas em Vila do Conde, no século X, já seria uma actividade em franca ascensão, remetendo, inclusive, para a possibilidade da sua prática, ao tempo da ocupação castreja. Concomitantemente, poderemos concluir que a formação e a fixação do aglomerado populacional ocorreu, numa primeira fase, no cimo do monte de S. João, onde teria existido um castro.
Séculos mais tarde, por razões demográficas e económicas, o espaço junto à margem direita do rio ave foi sendo progressivamente ocupado. Todo o turbilhonar de vida se fazia, então, junto à margem do rio.
A presença do mar e do rio são duas constantes indissociáveis para a compreensão da fixação de um aglomerado populacional junto à margem direita do rio ave. Do mar, rico em fauna piscícola, retiravam o peixe que abastecia a vila. Depois, como o sal era necessário para a conservação do pescado que não era consumido no imediato, também as gentes, aqui radicadas, se dedicavam à sua extracção, beneficiando das óptimas condições climatéricas do verão.
As salinas eram fulcrais para o sucesso da actividade piscatória, pois, na sua falta, o abastecimento de pescado aos centros do interior ficaria comprometido, bem como a conservação de quantidades excedentárias ao consumo diário. António Sérgio, “....fala do sal como um elemento de troca, de comércio, de riqueza com os povos do Norte da Europa. As barcas, as pinácias, os barinéis que aqui entravam e saíam, tornavam a vila florescente e próspera.”
Assim, o poder conjecturar-se que o porto de Vila do Conde, desde muito cedo, terá sido frequentado por navios provindos de outras paragens, o mesmo acontecendo um pouco por todos os portos da costa norte do país. Segundo Coutinhas, a barra do rio Ave, assim como as do Douro e Lima, terão sido das primeiras a abrir-se ao comércio marítimo internacional na Idade Média.
O porto de Vila do Conde era um excelente porto de abrigo natural, tornando-se um local atractivo à descarga de mercadorias que abasteceriam não só a vila, como também todas as zonas limítrofes.
Através das Inquirições Afonsinas de 1258, constatamos a existência de 60 pinácias em Vila do Conde. Visto tratar-se de navios de pesca e comércio internacional e de cabotagem, estamos em presença de um número bastante significativo, se atendermos à época em questão, o que, sem dúvida, daria um substancial movimento à barra. Paralelamente à actividade comercial, que tendia a florescer, uma outra actividade, também com ligação ao mar, começou a adquirir contornos que, mais tarde, levaria Vila do Conde além fronteiras. Falamos, claro, da construção naval.
Segundo Reis, o afluxo das populações de lugares vizinhos, de calafates e almocreves, contribuiu para que na Foz do Ave existissem, aproximadamente, 2.500 indivíduos em 1258.
Depois de firmada a nacionalidade portuguesa, Vila do Conde, alvo da cobiça real, tornara-se propriedade reguenga. Entretanto, no princípio do século XIII, D. Sancho I doa Vila do Conde a D. Maria Pais Ribeiro e aos filhos e filhas que com ela teve. Anos mais tarde, D. Afonso II corrobora a doação feita por seu pai. Continuava Vila do Conde, em 1318, na posse dos descendentes de D. Maria Pais Ribeiro, concretamente sob jurisdição duma sua tetraneta, D. Teresa Martins, casada com Afonso Sanches, filho ilegítimo de D. Dinis, quando decide construir o mosteiro de Vila do Conde. O senhorio e as jurisdições que dizem respeito a Vila do Conde só deixaram de estar na posse de descendentes reais quando a viúva do neto de Afonso Sanches, D. Isabel de Meneses, doa Vila do Conde às freiras de Santa Clara. D. Fernando, em 1381, confirma a cedência e doação de Vila do Conde às freiras de Santa Clara, pertencendo-lhes, por isso, todos os direitos e possessões da Vila.
Vila do Conde, no século XIV, era uma vila próspera, debatendo-se, no entanto, com dificuldades de abastecimento de géneros agrícolas e com o domínio, muitas vezes prepotente, das clarissas. Estas, para além da jurisdição cível e criminal sobre a Vila, também detinham privilégios sobre o rio Ave.
Entre os direitos pertencentes às clarissas estavam incluídas algumas taxas alfandegárias, tais como a dízima do pescado.
Segundo Cordeiro Pereira, as referidas taxas alfandegárias deverão ter sido, inicialmente, cobradas durante o reinado de D. Dinis. Na opinião de Gama Barros, a dízima é o imposto mais antigo e um dos mais notáveis no cômputo dos impostos gerais, remontando a sua aplicabilidade ao tempo dos Romanos. O referido imposto, como direito uniforme aplicado a todos os produtos importados do estrangeiro, surge como prática corrente em todos os portos do litoral português, pelo menos, desde o século XIII. Salvaguardamos o facto de que seria um direito inerente à Coroa. Quanto aos produtos exportados, não ficavam sujeitos ao supracitado imposto. Em contrapartida, as exportações estavam submetidas ao princípio de lealdamento, que consistia no “retorno ao Reino de mercadorias de valor igual àquele que foi exportado”.
Em suma, a Coroa, pelo menos a partir do século XIII, procede à cobrança de um imposto geral sobre o comércio externo, que vigorará durante séculos. Na mesma altura, surge, em Lisboa, a alusão relativa a um edifício servindo de Alfândega ”alfandega dominus regis”.
Um dos principais objectivos que se prende com a criação das Alfândegas, diz respeito à obtenção de receitas por parte da Coroa e casas nobres consideradas verdadeiramente importantes.
Para além da cobrança de determinadas taxas, também se pretendia, com o funcionamento das alfândegas, uma orientação do comércio, por exemplo, reservando “para os naturais do reino o seu comércio e o comércio com as várias zonas de expansão”.
A criação de uma Alfândega Régia em Vila do Conde, apenas ocorreu a 27 de Fevereiro de 1487, por carta régia de D. João II. Contudo, a Vila já possuía uma Alfândega senhorial, propriedade das clarissas do Mosteiro.
A Alfândega do Mosteiro era conhecida como a casa da Torre. O nome advinha da sua configuração arquitectónica e localização espacial, uma vez que estava assente no cimo de um pequeno monte que se erguia sobre o rio Ave. Todo o espaço relativo à casa, ao monte que a sustenta e à área circunvizinha, era denominado por área da Torre.
O edifício da Alfândega Régia mandado construir por D. João II, era composto por dois pisos e situava-se no local hoje denominado Largo da Alfândega, distando cerca de cento e cinquenta metros da Alfândega do Mosteiro. Desde a sua origem até ao presente apenas foi objecto de uma ampliação no século XVIII, dotando-a, desta forma de melhores condições ao exercício do despacho de mercadorias, mantendo, por isso toda a sua traça inicial, com destaque para o seu portal (virado a norte), que revela traços da arquitectura quinhentista.
Ambas as Alfândegas se situavam a jusante do rio Ave, na sua margem direita, marcando o início da ocupação espacial no lado poente da Vila. ...

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E os passos que deres,
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Enquanto não alcançares,
não descanses.
De nenhum fruto
queiras só metade. "

Miguel Torga